Pesquisar este blog

Seguidores

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Trajetos do Espiritismo no Brasil 1ºPARTE


O NAU, Núcleo de Antropologia Urbana, formado em 1988 no Departamento de Antropologia da USP, é um grupo de pesquisa e discussões teórico-metodológicas sobre questões relativas às sociedades urbano-industriais contemporâneas.


Jacqueline Stoll, Sandra. Religião, ciência ou auto-ajuda? trajetos do Espiritismo no Brasil Disponível via WWW no URL http://www.n-a-u.org/Stoll1.html
CAPTURADO em 19 / 01 / 10

Sandra Jacqueline Stoll é professora da. Universidade Federal do. Paraná
Departamento de Antropologia ­ UFPR


Chico Xavier: a procissão do adeus

Desde as primeiras horas eram imensas as filas no velório de Chico Xavier, médium cuja trajetória de vida se confunde com a história do Espiritismo no Brasil. O local escolhido foi a Casa da Prece, o centro espírita de Uberaba, no Triângulo Mineiro, onde Chico Xavier recebeu, nos últimos quarenta anos, romeiros de todas as partes do país. Foram dois dias de despedida, nos quais compareceram, segundo se calcula, cerca de 100 mil pessoas. A fila à frente da casa tinha três quilômetros; a espera era de quase três horas. Por hora passaram, aproximadamente, 2.500 pessoas. O cortejo até o cemitério São João Batista, conduzido por bombeiros, foi acompanhado por mais de 30 mil pessoas. Entidades assistenciais, artistas, políticos e empresários enviaram mais de 150 coroas de flores. Lideranças de segmentos diversos do campo religioso também lhe renderam homenagem2.

Chico Xavier faleceu aos 92 anos, de uma parada cardíaca, em sua casa. Era o dia 30 de junho de 2002, data da quinta conquista do Brasil numa Copa do Mundo. Segundo relatos de familiares, Chico Xavier levantara cedo nesse dia como de costume. Não assistiu ao jogo, mas quis saber o resultado. Mais tarde percorreu cada ambiente de sua casa e também visitou as salas da Casa da Prece. Recolheu-se imediatamente após o jantar, vindo a morrer logo em seguida.

Essa forma silenciosa, serena e sem alarde de transição para o "outro lado da vida", como dizem os espíritas, parece condizente com um dos atributos mais lembrados de Chico Xavier: a humildade.

Nem sempre, porém, foi essa a aura em torno de sua imagem. Especialmente no início da carreira, sua presença na mídia esteve freqüentemente associada a eventos polêmicos. Os primeiros registros, realizados pela imprensa, datam dos anos 30, época em que o jornal O Globo, do Rio de Janeiro, realizou um inquérito sobre suas atividades. O mote dessa investigação foi o lançamento de seu primeiro livro, Parnaso de além-túmulo, obra em que apresenta poesias póstumas de autores "ilustres": Casemiro de Abreu, Olavo Bilac, Augusto dos Anjos, etc3. Largamente debatida na ocasião, a credibilidade desse tipo de produção literária mobilizou os círculos intelectuais da época. Uma década mais tarde o tema voltou à baila com a notícia de que uma ação judicial havia sido movida pela família Humberto de Campos contra o médium Chico Xavier e a Federação Espírita Brasileira. Nesse segundo inquérito jornalístico, além da participação de críticos literários e jornalistas, contou-se também com o envolvimento de juristas, uma vez que a questão em pauta era o destino legal dos direitos autorais em se tratando de produção literária post mortem4.

Mesmo depois de ter sua autoridade reconhecida, as polêmicas continuaram. Em 1979, por exemplo, Chico Xavier voltou a ter seu nome envolvido em debates jurídicos, desta vez em decorrência da inclusão de duas mensagens suas, psicografadas, nos autos de defesa em dois processos de crime. Alardeado pela imprensa espírita, esse fato teve repercussão inclusive no exterior5. Isso sem contar inúmeras outras matérias jornalísticas produzidas nesse ínterim motivadas por boatos sobre sua vida pessoal, como supostos namoros, casamentos, a discussão sobre sua sexualidade, etc.

Os anos 80 constituem o turningpoint de sua imagem na mídia: o lançamento da campanha de sua candidatura ao prêmio Nobel estendeu para além do campo espírita e em âmbito internacional a imagem de Chico Xavier como "homem santo"6. Os programas de televisão de que participou contribuíram para essa construção. Sua estréia neste veículo de comunicação deu-se nos anos 70, quando participou do então famoso Pinga-fogo. Além de responder a perguntas de jornalistas, do público e de representantes de diferentes instituições religiosas, neste programa Chico Xavier realizou, a pedidos, o que se considera ter sido a primeira sessão mediúnica televisionada7. A repercussão de público alcançada por esse programa estimulou, em anos posteriores, a realização de outras entrevistas, bem como a produção de vários documentários.

No entanto, essa projeção social do médium teve pouca repercussão no meio acadêmico. Luiz Eduardo Soares chama atenção para esse fato num artigo publicado em 1979. Duas décadas decorreram, porém, antes que o Espiritismo se tornasse objeto renovado de interesse nas Ciências Sociais8 e que Chico Xavier viesse a ocupar o devido lugar no universo dos estudos sobre a religiosidade brasileira.

O presente trabalho se inscreve entre os primeiros a fazerem de sua vida e obra tema central de reflexão, trazendo à tona o papel que Chico Xavier desempenhou no delineamento do éthos católico de que se revestiu a doutrina espírita no Brasil.

Outra lacuna na produção recente sobre o tema diz respeito à reflexão sobre as novas formas de presença e inserção do Espiritismo no campo religioso brasileiro. Como assinalam Brandão (1988) e Giumbelli (1997), dentre as religiões ditas brasileiras, o Espiritismo tem sido a menos estudada. Observação válida, inclusive, para os artigos recentes que tratam da dinâmica contemporânea do campo religioso na sociedade brasileira: nestes são freqüentes as análises sobre as mudanças que vêm ocorrendo no meio católico, no contexto das tradições afro e no âmbito pentecostal. Raramente, porém, esses textos se referem ao universo espírita9.

Reverter essa tendência implica um trabalho de mais fôlego. Na tentativa de contribuir para a discussão, o presente artigo se desdobra em duas partes: na primeira realizo uma revisão da literatura produzida sobre o Espiritismo. A análise da história de vida e carreira religiosa de Chico Xavier segue como ilustração, sugerindo, com base na estratégia biográfica, como se deu a construção do "estilo católico" de que se revestiu o Espiritismo no Brasil. Na segunda parte desloco o olhar, focalizando dois outros personagens, originários do campo espírita, cujos percursos pessoais apontam para duas das tendências contemporâneas de inovação da doutrina: uma que envereda na direção do cientificismo, outra que investe na carnavalização como forma de produção de inovações. Apresentados como tipos-ideais esses três personagens apresentam uma grande riqueza no que diz respeito à particularização de certas possibilidades, ao passo que em conjunto permitem perceber processos mais abrangentes da dinâmica contemporânea no campo religioso.


Entre a França e o Brasil: a invenção de tradições

Allan Kardec ainda escrevia os principais tomos de sua obra, quando o Espiritismo aportou ao Brasil, sendo, portanto, divulgado quase simultaneamenteà sua difusão na Europa10. Os estudos sociológicos aqui realizados sobre o tema, no entanto, são relativamente recentes. Dois autores, Cândido Procópio Camargo11 e Roger Bastide12, assinam os primeiros trabalhos, introduzindo a questão que nortearia boa parte da discussão dos estudos de religião nos anos 60 e 70: como explicar a difusão de religiões populares, especialmente o Pentecostalismo, o Espiritismo e as religiões afro-brasileiras, num contexto de aceleração do processo de urbanização? Ou em outros termos: como explicar a proliferação da religiosidade popular, tida como símbolo de "atraso", justamente no pólo do desenvolvimento urbano e econômico do país, ou seja, no espaço social e simbólico tido como emblemático da "modernidade"?

Inaugurando a discussão desse tema, esses autores se tornaram referência de toda a produção subseqüente13. Dentre as idéias que postulam, tornaram corrente a assertiva de que o Espiritismo sofreu uma significativa mudança no processo de sua transplantação para o Brasil, considerando-se que na França, onde teve origem, prevalecia a ênfase na dimensão experimental e científica da doutrina, enquanto no Brasil tornou-se dominante a feição mística, religiosa.

Cândido Procópio Camargo sustenta essa idéia já às primeiras páginas do seu livro Kardecismo e Umbanda. Neste afirma: "A ênfase no aspecto religioso da obra de Kardec constitui [...] o traço distintivo do Espiritismo brasileiro e, talvez, seja a causa de seu sucesso entre nós" (1961: 4). Afirmação que reitera adiante, quando declara:

Tanto a doutrina, como especialmente a prática espírita, ganharam no Brasil novo alento, desenvolvendo conotações e ênfases especiais que as adaptaram à realidade brasileira. A história dessa adaptação é um aspecto [...] da constituição de uma religião original entre nós. (: 8; destaques meus)

CONTINUA . . .

TAGS:”Keyword” A HISTÓRIA DO ESPIRITISMO,A HISTÓRIA DO ESPIRITISMO,A HISTÓRIA DO ESPIRITISMO,A HISTÓRIA DO ESPIRITISMO,A HISTÓRIA DO ESPIRITISMO,A HISTÓRIA DO ESPIRITISMO,A HISTÓRIA DO ESPIRITISMO,A HISTÓRIA DO ESPIRITISMO,A HISTÓRIA DO ESPIRITISMO,A HISTÓRIA DO ESPIRITISMO,A HISTÓRIA DO ESPIRITISMO,A HISTÓRIA DO ESPIRITISMO,A HISTÓRIA DO ESPIRITISMO,A HISTÓRIA DO ESPIRITISMO

0 comentários:

A História do Café da Manhã