Redescoberto mais um plágio de Chico Xavier. Digo ‘redescoberto’ porque esse plágio já havia sido divulgado pelo menos desde setembro de 1944 por Milton Barbosa, advogado da família do escritor Humberto de Campos, e publicado na REVISTA DA SEMANA.
A Federação Espírita Brasileira até tenta se defender das acusações de plágio, mas as explicações são inaceitáveis a meu ver. Dito isso, vamos ao plágio.
Agora, vejamos as explicações do presidente da Federação Espírita Brasileira, Wantuil de Freitas:
Os trechos de “Brasil Anedótico”, que são indicados como plagiados por Francisco Xavier, não podem ser considerados como tais. Qualquer escritor, relatando em nova obra o que já dissera em outra, repete frequentemente as mesmas expressões.
Comentário: Mas por qual motivo um autor repetiria em nova obra o que já dissera em outra? Para que se repetir? Isso é incorrer em uma prática nada honrosa de auto-plágio, muito mais comum no meio acadêmico do que no literário. Não é crime, mas é considerado antiético.
Ademais, não haveria necessidade de plagiar naquela narrativa feita em termos comuns.
Comentário: Não haver necessidade de plagiar não quer dizer que o plágio não tenha existido. E fica claro que existiu, dada a grande quantidade de trechos idênticos, por mais comuns que sejam os termos.
Muitos dos plágios apontados são aliás transcrições de trechos de outros livros e se encontram entre aspas, na obra psicografada.
Comentário: Esse trecho em específico, embora contenha uma transcrição de um livro de Moreira de Azevedo chamado “Mosaico Brasileiro”, não se encontra entre aspas. É certo que as aspas nesse caso não são necessárias, pois o Chico citou que se baseou em Moreira de Azevedo. Mas o plágio – ou o auto-plágio – continua a existir. Afinal, Chico copiou o trecho de um livro que cita um trecho de outro livro…
Abaixo segue a transcrição da reportagem publicada na REVISTA DA SEMANA.
OUTRA FASE DO CASO HUMBERTO DE CAMPOS
FALAM O ADVOGADO DA FAMÍLIA E O PRESIDENTE DA FEDERAÇÃO ESPÍRITA — IRÁ O CASO AO FORO CRIMINAL — UM VERDADEIRO ESTUDO LITERÁRIO DAS OBRAS DE HUMBERTO DE CAMPOS E DE CHICO XAVIER — OS CACÓFATOS E OS PLÁGIOS DO “MÉDIUM” DE PEDRO LEOPOLDO — CONTESTAÇÃO DO SR. WANTUIL DE FREITAS — OS VERSOS DE CHICO XAVIER QUE SAIRAM NO “JORNAL DAS MOÇAS” — “GRAVES CONSEQUENCIAS PARA A LIVRARIA EDITORA E PARA CHICO XAVIER” — “OS POETAS TAMBÉM PODEM SER “MÉDIUNS” E VICE-VERSA”.
Reportagem de Paulo de Salles Guerra
Nos Estados Unidos o caso leria uma repercussão internacional. Os jornais e revistas se movimentariam freneticamente. Talvez fossem mandadas telefotografias para o mundo inteiro. E as manchetes sensacionalistas estariam gritando no alto das páginas das publicações de todas as espécies. Provavelmente já estaria sendo escolhido o cast para um filme que focalizasse o “caso”, tendo os diretores o cuidado de declarar previamente: “qualquer semelhança será mera coincidência”.
Acontecimento ímpar na história dos processos judiciais, surge no Rio o caso de um espírito que deveria comparecer ante a justiça.
Ante o brado de alarma da REVISTA DA SEMANA toda a imprensa se movimentou.
Os jornais seguiam as fases do processo. A família de Humberto de Campos intenta uma ação declaratória contra a Federação Espírita Brasileira, com o fim do verificar a autenticidade da obra, determinando as relações daí decorrentes.
Levado o caso a juízo, ficou decidido, de acordo com a sentença do juiz dr. Mourão Russell, que a família de Humberto de Campos não poderia pretender direitos autorais sobre as supostas produções literárias atribuídas ao espírito do escritor, concluindo ainda que:
“Do exposto se conclui que, no caso vertente, não ha nenhum interesse legitimo que dê lugar à ação proposta.” O caso parecia pois terminado e os jornais não mais se ocuparam dele.
Entretanto, soubemos que a família do conhecido escritor não se daria por vencida. A REVISTA foi então procurar o dr. Milton Barbosa, com o intuito do obter desse ilustre causídico maiores esclarecimentos sobre a questão.
Com aquela fluência que lhe é peculiar, sabendo do que se tratava, o dr. Milton Barbosa foi nos declarando:
— Quando ajuizei, em nome da viúva Humberto do Campos, a ação declaratória que tanta celeuma vem causando no País, apressei-me, em entrevistas a jornais desta capital, em afirmar que a solução final deveria ser confiada a uma comissão de cientistas e não de literatos, por isso que o estudo do estilo das obras psicografadas em cotejo com o estilo das obras do autor vivo não resolveria o problema.
— “Quis com isso deixar claro que qualquer semelhança de estilo entre a obra mediúnica e a obra produzida em vida por Humberto de Campos não poderia ter maior significação para a solução do problema, dada a possibilidade de assimilação de estilos.
— A la maniére de. . . como é público e notório, e tem sido mostrado por diversos escritores, principalmente franceses.
— Admite então que haja semelhanças entre as obras do Humberto do Campos vivo e as obras ditas psicografadas pelo “médium”?
— Se algumas semelhanças podem ser descobertas em trechos psicografados por Chico Xavier com o estilo de Humberto do Campos semelhança explicável com a leitura alenta das obras do grande memorialisla maranhense — elas não me impressionam absolutamente.
O dr. Milton Barbosa, advogado da família do escritor Humberto dc Campos, faz algumas declarações sensacionais em torno do sensacional processo.
O dr. Wantuil de Freitas, presidente da Federação Espírita Brasileira, quando nos mostrava a contra-minuta do agravo. O “caso” Humberto de Campos volta novamente ao cartaz. O nosso entrevistado refuta algumas acusações do advogado da família do conhecido escritor.
— E tem encontrado frequentemente essas semelhanças?
— Tal semelhança é rara, pois a obra psicografada e muito inferior, como se poderá demonstrar facilmente.
O advogado levanta-se e apanha um livro.
— Isto é apenas um exemplo — diz.
Tratava-se de um livro mediúnico. “Boa Nova” era o título. O nosso entrevistado abre e lê:
— “És mestre em Israel e ignoras estas coisas? — inquiriu Jesus como surpreendido. É natural que cada um somente testifique daquilo que saiba; porém, precisamos considerar que tu ensinas. Apesar disso não aceitas os nossos testemunhos. Se falando eu de coisas terrenas sentes dificuldades em compreendê-las com os teus raciocínios sobre a lei, como poderás aceitar as minhas afirmativas quando eu disser das coisas celestiais? Seria loucura destinar os alimentos apropriados a um velho para o organismo frágil do uma criança.”
E olhando para o redator:
Observou este cacófato: “Que cada”? E este verbo. Já ouviu alguém dizer “testifique”? O verbo para o caso seria “testemunhar”, é claro. Acha o senhor possível que um escritor como Humberto de Campos escrevesse estas coisas? E o dr. Milton prosseguiu:
— Escute este outro trecho:
“— Ainda não ponderaste, talvez, que o primeiro mandamento da lei é uma determinação de amor. Acima do “não mataras”, do “não adulterarás”, do “não cobiçarás”, esta o “amar a Deus sobre todas as coisas”, de todo o coração e de todo entendimento.”
— Será que este “adulterarás” tem a sua raiz no verbo adulterar, ou trata-se de palavra oriunda de adultério?
— E quanto à Federação Espírita?
— A atitude dessa Federação causou profunda decepção entre todos aqueles que, como eu, acreditavam na sua lealdade e boa fé.
Atribuindo a Humberto de Campos as obras psicografadas por Chico Xavier, não vejo como pudesse tão alta entidade religiosa esquivar-se da prova da sua legítima procedência. Não vejo como possam impressionar seus argumentos de que tal elucidação é ilícita, invocando como defesa o direito assegurado pela Constituição à liberdade de crença. E não contente com esta esquiva alega ainda a Federação, através de quase duzentas páginas da erudita contestação, a impossibilidade de “invocação” de um “espírito”. Ora, justamente ao contrario dessa tese, um grande espírita mineiro, líder incontestável do espiritismo no Brasil, o sr. Efigênio de Sales Vitor, em famosa entrevista a “O Globo”, assegurou, peremptoriamente, que o “espírito” de Humberto de Campos garantiu que o mesmo estava à disposição do juiz para o dia e a hora em que fosse necessária a sua presença para verificação da sua sobrevivência e da sua operosidade literária. Também um outro famoso líder espírita, conhecidíssimo em todo o Brasil, cuja palavra e de grande autoridade entre os crentes da doutrina de Alan Kardec, chegou a exibir a um dos brilhantes redatores desta revista os autógrafos de Humberto de Campos devidamente autenticados pelo grande escritor, com o mesmo talho de letra e com as mesmas peculiaridades gráficas do tempo em que era vivo o notável autor de “Os Párias”.
E agora tudo se esvaiu, tudo se esbateu como fumo… Em vista disso, que poderemos pensar da lealdade da Federação Espírita Brasileira? Tinha a impressão de que ela entrou nesse pleito com lealdade e boa fé, positivamente convencida da procedência da obra mediúnica apresentada por Chico Xavier.
Estudando este caso tenho me lembrado frequentemente do famoso processo Dreyfus, que todo o mundo conhece pela enorme repercussão que teve, envolvendo nomes famosos como o de Zola, que pôs sua pena e seu talento a serviço da justiça no seu livro “J’accuse!”.
A situação da Federação Espírita no caso presente parece-me semelhante a do Estado Maior Frances no processo Dreyfus, cuja desmoralização, por ocasião da revisão do processo, forçou alguns dos seus mais íntegros membros a falsificar documentos, inventor provas para contestar uma precipitada e injustificável atitude inicial de acusação ao inocente israelita.
— Isto parece evidente. Ela já deve ter sentido a precariedade de sua posição no pleito e tenta, por processos pouco justificáveis, evitar, a todo transe, as possibilidades de realização das diligências imprescindíveis para a constatação da legítima procedência das produções mediúnicas. De outro modo não se explica a sua alegação de que a ação é imprópria, de que é ilícita por atentar contra a liberdade de crença, e de que é impossível “invocar” o “espírito”. Se tudo leva a crer-se que se trata de uma mistificação, de um embuste, de uma falsa imputação de uma autoria e de uma usurpação de nome, para efeito de propaganda religiosa e de lucro comercial, a oposição a prova pleiteada pela família do escritor deveria impor-se aos olhos dos próprios dirigentes do espiritismo brasileiro.
— E quanto à sentença do juiz?
— Admito, para argumentar, que a ação possa ser julgada imprópria. Mas para onde nos levará a Federação Espírita Brasileira com tão sistemática e calorosa oposição?
— Acredita que a ação irá ao Foro Criminal?
— Quanto a isto não há a menor dúvida. E isto terá graves e compreensíveis conseqüências, prejudiciais, não só à religião espírita, como ao “médium” Chico Xavier e à livraria editora.
— A sentença será então reformada?
— A sentença prolatada pelo ilustre juiz Mourão Russell consagrou, de modo solene, o embuste. E não é possível que não seja reformada, pelo menos nessa parte, pois é absurda a sua conclusão, considerada a autora carecedora de ação.
— E quanto à obra mediúnica de Chico Xavier?
— Parece-me que justifiquei, no recurso interposto, a inteira procedência da ação declaratória. Tenho a impressão de que, na vulgaríssima obra psicografada, os trechos aproveitáveis são meros plágios da obra autêntica. E as idéias interessantes foram colhidas e constituem mera reprodução do que se encontra na vasta e notável obra de Humberto de Campos. Citei, no recurso que interpus, alguns desses plágios, mas há muito mais…
O senhor mesmo poderá confrontar esses dois trechos, um da obra autêntica de Humberto de Campos e outro de Chico Xavier.
O causídico mostra-nos o livro “Brasil Anedótico”, de Humberto de Campos, e aponta-nos um trecho, intitulado “A Lei das Aposentadorias”.
“Chegada ao Rio de Janeiro em 1808 a família real portuguesa com todo o seu séquito de fidalgos e fâmulos, foi posta em execução a chamada lei das aposentadorias, a qual obrigava os proprietários e inquilinos a mudarem-se, cedendo as casas para residência dos criados e servidores d’el-rei. Bastava que o fidalgo desejasse uma casa, para que o juiz aposentador intimasse o morador por intermédio do meirinho, que se desempenhava do seu mandato escrevendo sumariamente na porta, a giz, as letras P. R. Estas significavam — “Príncipe Regente”, ou, como interpretava o povo — “ponha-se na rua”.
Era Agostinho Petra de Bitencourt juiz aposentador quando, um dia, lhe apareceu um fidalgote, requerendo aposentadoria em uma excelente casa, apesar de já ter uma. Dias depois veio pedir-lhe mobília e, finalmente, escravos.
Ao receber o terceiro pedido, Agostinho Petra, que acompanhava a indignação do povo com tantos abusos da Corte, gritou para a esposa, no interior da casa:
— Prepare-se Dona Joaquina, que pouco tempo podemos viver juntos.
E indicando, para a mulher, que acorrera, o fidalgote insaciável:
— Este senhor já duas vezes me pedir casa, depois mobília, e agora, criado. Brevemente quererá, também, mulher, e como eu não tenho outra senão a senhora, ver-me-ei forçado a servi-lo!”
Depois mostrou-nos o livro psicografado pelo “médium” Francisco Cândido Xavier, “Brasil, Coração do Mundo”, indicando-nos à página 123 o trecho seguinte:
“D. JOAO VI NO BRASIL
A chamada lei das aposentadorias obrigava todos os inquilinos e proprietários a cederem suas casas de residência aos favoritos e aos fâmulos reais. Bastava que qualquer fidalgote desejasse este ou aquele prédio, para que o Juiz Aposentador efetuasse a necessária intimação, a fim de que fosse imediatamente desocupado. Ao oficial de justiça, incumbido desse trabalho, bastava escrever na porta de entrada as letras “P. R.”, que se subentendiam por “Príncipe Regente”, inscrição que a malícia carioca traduzia como significando — “Ponha-se na rua”.
Moreira de Azevedo conta em suas páginas que Agostinho Petra Bittencourt era um dos juizes aposentadores ao tempo de D. João VI, quando lhe apareceu um fidalgo da corte, exigindo pela segunda vez uma residência confortável, apesar de já se encontrar muito bem instalado. Decorridos alguns dias, o mesmo homem requer a mobília e, daí a algum tempo, solicita escravos. Recebendo a terceira solicitação, o juiz, indignado em face dos excessos da corte do Rio, exclama para a esposa, gritando para um dos apartamentos da casa:
— Prepare-se, D. Joaquina, porque por pouco tempo poderemos estar juntos.
E, indicando à mulher, que viera correndo atender ao chamado, o fidalgo que ali esperava a decisão, concluiu com ironia:
— Este senhor já por duas vezes exigiu casa; depois pediu-me mobília e agora vem pedir criados. Dentro em breve, desejará também uma mulher e, como não tenho outra senão a senhora, serei forçado a entregá-la.”
— É fácil, confrontando os dois textos, perceber o plágio.
O nosso entrevistado se entusiasmava, procurando demonstrar as suas razões.
— E não é apenas isto. Poderia mostrar muitos outros trechos semelhantes. Parece-me evidente que Francisco Xavier tem mesmo alguns pendores literários. Provavelmente já estará informado de que em 1932 o “médium” já era poeta. Colaborava no “Jornal das Moças”. Seus versos, embora de inspiração pobre, eram metrificados, com boa técnica. Veja estes:
“SOBRE A DOR
Suporta calmo a dor que padeceres
Convicto de que ate dos sofrimentos,
No desempenho austero dos deveres,
Mana o sol que clareia os sentimentos.
Tolera sempre as mágoas que sofreres,
Em teus dias tristonhos e nevoentos.
Há reais e legítimos prazeres
Por trás dos prantos e padecimentos.
A dor, constantemente, em toda parte,
Inspira as epopéias fulgurantes,
Nas lutas do viver, no amor, na arte;
Nela existe uma célica harmonia,
Que nos desvenda, rápidos instantes,
Mananciais de lúcida poesia!”
Fotografia do uma carta do “médium” sr. Alarico Cunha, do Parnalba, alto funcionário da Cia. dc Vapores Booth, cuja mediunidade consiste em receber as mensagens com a letra e a assinatura dos próprios autores. Aqui vemos uma carta ditada pelo espírito de Humberto dc Campos, tendo a progenitor a do grande escritor assinado embaixo, reconhecendo a letra de seu filho.
O grande escritor Humberto de Campos, no seu fardão de imortal, quando entrou para a Academia Brasileira de Letras.
Aliás, os jornais já haviam noticiado essa habilidade do famoso “médium” de Pedro Leopoldo.
?
Seguindo o critério de imparcialidade absoluta que até agora vem mantendo em torno do momentoso “caso” Humberto de Campos e das obras psicografadas por Francisco Cândido Xavier, a REVISTA DA SEMANA queria saber como se manifestava a Federação Espírita Brasileira sobre esta nova fase do processo.
Nesse intuito fomos procurar o seu presidente, sr. Wantuil de Freitas.
— Quanto às poesias de autoria de Chico Xavier publicadas no “Jornal das Moças”, posso declarar que não as conheço. Mas estou ao par da história.
Quando os espíritos preparavam o “médium” em exercícios mediúnicos para a missão que deveria realizar, seu irmão, José Cândido, que então nada conhecia do espiritismo, ficou entusiasmado com a “veia poética” que supunha existir no Chico, e então ele, José Cândido, juntando os seus logogrifos às poesias recebidas pelo irmão, encaminhava-os às revistas, contra a vontade do Chico que, desde então, asseverava que as produções não eram suas. Isto durou até o ano de 1932.
Assim que conseguir uma dessas poesias poderei enviá-la ao Chico, para que ele diga qual foi o espírito que a ditou.
Ainda que Francisco Xavier fosse poeta, meu amigo, não haveria motivo para acusá-lo. Os poetas também podem ser “médiuns” e vice-versa.
— E quanto à qualidade da obra de Francisco Xavier, na opinião do dr. Milton Barbosa, nitidamente inferior às produções de Humberto de Campos?
— Esse assunto foi eficientemente esclarecido pelo nosso advogado. Mostra o dr. Carlos Imbassahy que nas citações do advogado da família do escritor não se vê nenhuma onde se possam encontrar vícios imperdoáveis de linguagem. Os erros que aí se encontram, ligeiras consonâncias, ecos, não podem ferir os mais apurados ouvidos. Não constituem verdadeiros cacófagos, dentro da definição dos gramáticos e filólogos.
Aliás, esses vícios podem ser encontrados nos melhores escritores da nossa língua.
— Os cacófagos empregados por Humberto de Campos na obra psicografada são encontrados a cada passo pelos melhores manejadores da pena. Por que não os empregaria Humberto?
Poderíamos dar, ao acaso, diversos exemplos dessas distrações praticadas pelos expoentes máximos da nossa língua. Camões os fez em quantidade. Além daquele famoso e conhecido “Alma minha”, encontramos ainda:
Sofrer não pode ali o gama mais
“Entrava a formosíssima Maria”
E de Vieira:
“Que se chama Maria”
“Se as não tem feito”.
De Frei Luiz de Souza:
“Sem outra cama mais que uma taboa”.
“De nenhuma maneira podia cabar consigo”
De Camilo:
“Peça-lhe que a não venda”,
Com a condição de a não vender”.
De Castilho:
“Se a não procurem”.
Seria fastidioso continuar a citar exemplos dessa natureza.
Na própria obra do Humberto de Campos, cronista operoso que não dispunha do tempo para atender a esses detalhes, em vista do vulto da sua produção, encontramos cacófatos, como estes:
“Cuidassem dele como ela cuidara”
(“Sombras que sofrem”, 4ª edição, pág. 46, linha 21).
“E deixo-as não como lisonja”
(Idem, pág. 28, linha 1).
“… a mulher como ela é”; (Lagartos e Libélulas. 4ª edição pág. 28, linha 1).
— Mas a obra de Chico Xavier…
— Nada fica provado quanto ao mau gosto alegado em relação à produção literária do “médium”. Corno não ignora, são muitas as opiniões em contrário.
Quanto à afirmação de que a parte aproveitável desta obra não passa do grosseiro plágio, foi também ela refutada pelo nosso advogado. Os trechos de “Brasil Anedótico”, que são indicados como plagiados por Francisco Xavier, não podem ser considerados como tais. Qualquer escritor, relatando em nova obra o que já dissera em outra, repete frequentemente as mesmas expressões. Ademais, não haveria necessidade de plagiar naquela narrativa feita em termos comuns.
Limitamo-nos a repetir a opinião do ilustre beletrista mineiro, desembargador Mario Matos:
“O estilo de Humberto morto é ‘mais vivo’ do que Humberto-homem.”
Muitos dos plágios apontados são aliás transcrições de trechos de outros livros e se encontram entre aspas, na obra psicografada.
— O Dr. Milton Barbosa citou-nos também alguns trechos de Humberto em que o escritor mostrava-se um verdadeiro cético.
— E acha que, mesmo depois de se ter transformado em espírito, rodeado de outros espíritos, deveria continuar a descrer do espiritismo?
Há ainda outro ponto interessante a considerar. É o que se refere à frase do espírito de Humberto: “Eu que era tão perverso”. Como está muito bem observado na contra-minuta, essas frases já eram encontradas na sua obra escrita em vida: “E eu, miserável pecador”. “Eu, o último filho de um século que bebeu veneno no berço”.
— Será produzida a prova da manifestação do espírito?
— Evidentemente, o fenômeno não se poderá produzir contra certas leis. Não são apenas os espíritas e os “médiuns” que sabem disso. O fato é conhecido pelos próprios cientistas. Experiências que chegam ao resultado desejado em determinadas circunstâncias, provando o que se quer demonstrar, falham outras vezes pela ausência de algum elemento.
O espiritismo não procura esconder os fenômenos de ordem mediúnica. Milhares de pessoas, não apenas no Brasil mas no mundo inteiro, entro elas figuras de destaque, absolutamente insuspeitas, tiveram ocasião do presenciar esses fenômenos. Agora o que não podemos é produzi-los em tempo e lugar determinados.”
Despedimo-nos do sr. Wantuil. O presidente da Federação Espírita Brasileira acompanhou-nos até a porta. Aconselhou-nos s. s. a que fossemos procurar o dr. Imbassahy, advogado da Federação:
— Provavelmente o dr. Imbassahy tem algumas declarações interessantes a fazer sobre o caso, e poderia mesmo o ilustre causídico esclarecer certos pontos da questão.
Infelizmente a falta de tempo não permitiu que fôssemos procurar o ilustre advogado que tão brilhantemente vem defendendo a Federação.
— Quero ainda que dê uma explicação aos leitores da REVISTA DA SEMANA — disse ainda s. s. E’ quanto à acusação de que um dos volumes da obra psicografada já foi traduzido para o castelhano, a fim de ser lançado no mercado hispano-americano por uma editora argentina. Isto é verdade. Cumpre entretanto esclarecer que a Federação Espírita Brasileira não cobrou direitos autorais do editor argentino.
E o sr. Wantuil esboçava um sorriso.
?
Aqui ficam as duas entrevistas. Com quem está a razão?
Com a família do notável escritor? Com a Federação Espírita?
A argumentação é forte de ambos os lados. Limitamo-nos a apresentar aos nossos leitores esta fase nova do sensacional caso, para que possam julgar.
FONTE: Obras psicografadas
A Federação Espírita Brasileira até tenta se defender das acusações de plágio, mas as explicações são inaceitáveis a meu ver. Dito isso, vamos ao plágio.
Agora, vejamos as explicações do presidente da Federação Espírita Brasileira, Wantuil de Freitas:
Os trechos de “Brasil Anedótico”, que são indicados como plagiados por Francisco Xavier, não podem ser considerados como tais. Qualquer escritor, relatando em nova obra o que já dissera em outra, repete frequentemente as mesmas expressões.
Comentário: Mas por qual motivo um autor repetiria em nova obra o que já dissera em outra? Para que se repetir? Isso é incorrer em uma prática nada honrosa de auto-plágio, muito mais comum no meio acadêmico do que no literário. Não é crime, mas é considerado antiético.
Ademais, não haveria necessidade de plagiar naquela narrativa feita em termos comuns.
Comentário: Não haver necessidade de plagiar não quer dizer que o plágio não tenha existido. E fica claro que existiu, dada a grande quantidade de trechos idênticos, por mais comuns que sejam os termos.
Muitos dos plágios apontados são aliás transcrições de trechos de outros livros e se encontram entre aspas, na obra psicografada.
Comentário: Esse trecho em específico, embora contenha uma transcrição de um livro de Moreira de Azevedo chamado “Mosaico Brasileiro”, não se encontra entre aspas. É certo que as aspas nesse caso não são necessárias, pois o Chico citou que se baseou em Moreira de Azevedo. Mas o plágio – ou o auto-plágio – continua a existir. Afinal, Chico copiou o trecho de um livro que cita um trecho de outro livro…
Abaixo segue a transcrição da reportagem publicada na REVISTA DA SEMANA.
OUTRA FASE DO CASO HUMBERTO DE CAMPOS
FALAM O ADVOGADO DA FAMÍLIA E O PRESIDENTE DA FEDERAÇÃO ESPÍRITA — IRÁ O CASO AO FORO CRIMINAL — UM VERDADEIRO ESTUDO LITERÁRIO DAS OBRAS DE HUMBERTO DE CAMPOS E DE CHICO XAVIER — OS CACÓFATOS E OS PLÁGIOS DO “MÉDIUM” DE PEDRO LEOPOLDO — CONTESTAÇÃO DO SR. WANTUIL DE FREITAS — OS VERSOS DE CHICO XAVIER QUE SAIRAM NO “JORNAL DAS MOÇAS” — “GRAVES CONSEQUENCIAS PARA A LIVRARIA EDITORA E PARA CHICO XAVIER” — “OS POETAS TAMBÉM PODEM SER “MÉDIUNS” E VICE-VERSA”.
Reportagem de Paulo de Salles Guerra
Nos Estados Unidos o caso leria uma repercussão internacional. Os jornais e revistas se movimentariam freneticamente. Talvez fossem mandadas telefotografias para o mundo inteiro. E as manchetes sensacionalistas estariam gritando no alto das páginas das publicações de todas as espécies. Provavelmente já estaria sendo escolhido o cast para um filme que focalizasse o “caso”, tendo os diretores o cuidado de declarar previamente: “qualquer semelhança será mera coincidência”.
Acontecimento ímpar na história dos processos judiciais, surge no Rio o caso de um espírito que deveria comparecer ante a justiça.
Ante o brado de alarma da REVISTA DA SEMANA toda a imprensa se movimentou.
Os jornais seguiam as fases do processo. A família de Humberto de Campos intenta uma ação declaratória contra a Federação Espírita Brasileira, com o fim do verificar a autenticidade da obra, determinando as relações daí decorrentes.
Levado o caso a juízo, ficou decidido, de acordo com a sentença do juiz dr. Mourão Russell, que a família de Humberto de Campos não poderia pretender direitos autorais sobre as supostas produções literárias atribuídas ao espírito do escritor, concluindo ainda que:
“Do exposto se conclui que, no caso vertente, não ha nenhum interesse legitimo que dê lugar à ação proposta.” O caso parecia pois terminado e os jornais não mais se ocuparam dele.
Entretanto, soubemos que a família do conhecido escritor não se daria por vencida. A REVISTA foi então procurar o dr. Milton Barbosa, com o intuito do obter desse ilustre causídico maiores esclarecimentos sobre a questão.
Com aquela fluência que lhe é peculiar, sabendo do que se tratava, o dr. Milton Barbosa foi nos declarando:
— Quando ajuizei, em nome da viúva Humberto do Campos, a ação declaratória que tanta celeuma vem causando no País, apressei-me, em entrevistas a jornais desta capital, em afirmar que a solução final deveria ser confiada a uma comissão de cientistas e não de literatos, por isso que o estudo do estilo das obras psicografadas em cotejo com o estilo das obras do autor vivo não resolveria o problema.
— “Quis com isso deixar claro que qualquer semelhança de estilo entre a obra mediúnica e a obra produzida em vida por Humberto de Campos não poderia ter maior significação para a solução do problema, dada a possibilidade de assimilação de estilos.
— A la maniére de. . . como é público e notório, e tem sido mostrado por diversos escritores, principalmente franceses.
— Admite então que haja semelhanças entre as obras do Humberto do Campos vivo e as obras ditas psicografadas pelo “médium”?
— Se algumas semelhanças podem ser descobertas em trechos psicografados por Chico Xavier com o estilo de Humberto do Campos semelhança explicável com a leitura alenta das obras do grande memorialisla maranhense — elas não me impressionam absolutamente.
O dr. Milton Barbosa, advogado da família do escritor Humberto dc Campos, faz algumas declarações sensacionais em torno do sensacional processo.
O dr. Wantuil de Freitas, presidente da Federação Espírita Brasileira, quando nos mostrava a contra-minuta do agravo. O “caso” Humberto de Campos volta novamente ao cartaz. O nosso entrevistado refuta algumas acusações do advogado da família do conhecido escritor.
— E tem encontrado frequentemente essas semelhanças?
— Tal semelhança é rara, pois a obra psicografada e muito inferior, como se poderá demonstrar facilmente.
O advogado levanta-se e apanha um livro.
— Isto é apenas um exemplo — diz.
Tratava-se de um livro mediúnico. “Boa Nova” era o título. O nosso entrevistado abre e lê:
— “És mestre em Israel e ignoras estas coisas? — inquiriu Jesus como surpreendido. É natural que cada um somente testifique daquilo que saiba; porém, precisamos considerar que tu ensinas. Apesar disso não aceitas os nossos testemunhos. Se falando eu de coisas terrenas sentes dificuldades em compreendê-las com os teus raciocínios sobre a lei, como poderás aceitar as minhas afirmativas quando eu disser das coisas celestiais? Seria loucura destinar os alimentos apropriados a um velho para o organismo frágil do uma criança.”
E olhando para o redator:
Observou este cacófato: “Que cada”? E este verbo. Já ouviu alguém dizer “testifique”? O verbo para o caso seria “testemunhar”, é claro. Acha o senhor possível que um escritor como Humberto de Campos escrevesse estas coisas? E o dr. Milton prosseguiu:
— Escute este outro trecho:
“— Ainda não ponderaste, talvez, que o primeiro mandamento da lei é uma determinação de amor. Acima do “não mataras”, do “não adulterarás”, do “não cobiçarás”, esta o “amar a Deus sobre todas as coisas”, de todo o coração e de todo entendimento.”
— Será que este “adulterarás” tem a sua raiz no verbo adulterar, ou trata-se de palavra oriunda de adultério?
— E quanto à Federação Espírita?
— A atitude dessa Federação causou profunda decepção entre todos aqueles que, como eu, acreditavam na sua lealdade e boa fé.
Atribuindo a Humberto de Campos as obras psicografadas por Chico Xavier, não vejo como pudesse tão alta entidade religiosa esquivar-se da prova da sua legítima procedência. Não vejo como possam impressionar seus argumentos de que tal elucidação é ilícita, invocando como defesa o direito assegurado pela Constituição à liberdade de crença. E não contente com esta esquiva alega ainda a Federação, através de quase duzentas páginas da erudita contestação, a impossibilidade de “invocação” de um “espírito”. Ora, justamente ao contrario dessa tese, um grande espírita mineiro, líder incontestável do espiritismo no Brasil, o sr. Efigênio de Sales Vitor, em famosa entrevista a “O Globo”, assegurou, peremptoriamente, que o “espírito” de Humberto de Campos garantiu que o mesmo estava à disposição do juiz para o dia e a hora em que fosse necessária a sua presença para verificação da sua sobrevivência e da sua operosidade literária. Também um outro famoso líder espírita, conhecidíssimo em todo o Brasil, cuja palavra e de grande autoridade entre os crentes da doutrina de Alan Kardec, chegou a exibir a um dos brilhantes redatores desta revista os autógrafos de Humberto de Campos devidamente autenticados pelo grande escritor, com o mesmo talho de letra e com as mesmas peculiaridades gráficas do tempo em que era vivo o notável autor de “Os Párias”.
E agora tudo se esvaiu, tudo se esbateu como fumo… Em vista disso, que poderemos pensar da lealdade da Federação Espírita Brasileira? Tinha a impressão de que ela entrou nesse pleito com lealdade e boa fé, positivamente convencida da procedência da obra mediúnica apresentada por Chico Xavier.
Estudando este caso tenho me lembrado frequentemente do famoso processo Dreyfus, que todo o mundo conhece pela enorme repercussão que teve, envolvendo nomes famosos como o de Zola, que pôs sua pena e seu talento a serviço da justiça no seu livro “J’accuse!”.
A situação da Federação Espírita no caso presente parece-me semelhante a do Estado Maior Frances no processo Dreyfus, cuja desmoralização, por ocasião da revisão do processo, forçou alguns dos seus mais íntegros membros a falsificar documentos, inventor provas para contestar uma precipitada e injustificável atitude inicial de acusação ao inocente israelita.
— Isto parece evidente. Ela já deve ter sentido a precariedade de sua posição no pleito e tenta, por processos pouco justificáveis, evitar, a todo transe, as possibilidades de realização das diligências imprescindíveis para a constatação da legítima procedência das produções mediúnicas. De outro modo não se explica a sua alegação de que a ação é imprópria, de que é ilícita por atentar contra a liberdade de crença, e de que é impossível “invocar” o “espírito”. Se tudo leva a crer-se que se trata de uma mistificação, de um embuste, de uma falsa imputação de uma autoria e de uma usurpação de nome, para efeito de propaganda religiosa e de lucro comercial, a oposição a prova pleiteada pela família do escritor deveria impor-se aos olhos dos próprios dirigentes do espiritismo brasileiro.
— E quanto à sentença do juiz?
— Admito, para argumentar, que a ação possa ser julgada imprópria. Mas para onde nos levará a Federação Espírita Brasileira com tão sistemática e calorosa oposição?
— Acredita que a ação irá ao Foro Criminal?
— Quanto a isto não há a menor dúvida. E isto terá graves e compreensíveis conseqüências, prejudiciais, não só à religião espírita, como ao “médium” Chico Xavier e à livraria editora.
— A sentença será então reformada?
— A sentença prolatada pelo ilustre juiz Mourão Russell consagrou, de modo solene, o embuste. E não é possível que não seja reformada, pelo menos nessa parte, pois é absurda a sua conclusão, considerada a autora carecedora de ação.
— E quanto à obra mediúnica de Chico Xavier?
— Parece-me que justifiquei, no recurso interposto, a inteira procedência da ação declaratória. Tenho a impressão de que, na vulgaríssima obra psicografada, os trechos aproveitáveis são meros plágios da obra autêntica. E as idéias interessantes foram colhidas e constituem mera reprodução do que se encontra na vasta e notável obra de Humberto de Campos. Citei, no recurso que interpus, alguns desses plágios, mas há muito mais…
O senhor mesmo poderá confrontar esses dois trechos, um da obra autêntica de Humberto de Campos e outro de Chico Xavier.
O causídico mostra-nos o livro “Brasil Anedótico”, de Humberto de Campos, e aponta-nos um trecho, intitulado “A Lei das Aposentadorias”.
“Chegada ao Rio de Janeiro em 1808 a família real portuguesa com todo o seu séquito de fidalgos e fâmulos, foi posta em execução a chamada lei das aposentadorias, a qual obrigava os proprietários e inquilinos a mudarem-se, cedendo as casas para residência dos criados e servidores d’el-rei. Bastava que o fidalgo desejasse uma casa, para que o juiz aposentador intimasse o morador por intermédio do meirinho, que se desempenhava do seu mandato escrevendo sumariamente na porta, a giz, as letras P. R. Estas significavam — “Príncipe Regente”, ou, como interpretava o povo — “ponha-se na rua”.
Era Agostinho Petra de Bitencourt juiz aposentador quando, um dia, lhe apareceu um fidalgote, requerendo aposentadoria em uma excelente casa, apesar de já ter uma. Dias depois veio pedir-lhe mobília e, finalmente, escravos.
Ao receber o terceiro pedido, Agostinho Petra, que acompanhava a indignação do povo com tantos abusos da Corte, gritou para a esposa, no interior da casa:
— Prepare-se Dona Joaquina, que pouco tempo podemos viver juntos.
E indicando, para a mulher, que acorrera, o fidalgote insaciável:
— Este senhor já duas vezes me pedir casa, depois mobília, e agora, criado. Brevemente quererá, também, mulher, e como eu não tenho outra senão a senhora, ver-me-ei forçado a servi-lo!”
Depois mostrou-nos o livro psicografado pelo “médium” Francisco Cândido Xavier, “Brasil, Coração do Mundo”, indicando-nos à página 123 o trecho seguinte:
“D. JOAO VI NO BRASIL
A chamada lei das aposentadorias obrigava todos os inquilinos e proprietários a cederem suas casas de residência aos favoritos e aos fâmulos reais. Bastava que qualquer fidalgote desejasse este ou aquele prédio, para que o Juiz Aposentador efetuasse a necessária intimação, a fim de que fosse imediatamente desocupado. Ao oficial de justiça, incumbido desse trabalho, bastava escrever na porta de entrada as letras “P. R.”, que se subentendiam por “Príncipe Regente”, inscrição que a malícia carioca traduzia como significando — “Ponha-se na rua”.
Moreira de Azevedo conta em suas páginas que Agostinho Petra Bittencourt era um dos juizes aposentadores ao tempo de D. João VI, quando lhe apareceu um fidalgo da corte, exigindo pela segunda vez uma residência confortável, apesar de já se encontrar muito bem instalado. Decorridos alguns dias, o mesmo homem requer a mobília e, daí a algum tempo, solicita escravos. Recebendo a terceira solicitação, o juiz, indignado em face dos excessos da corte do Rio, exclama para a esposa, gritando para um dos apartamentos da casa:
— Prepare-se, D. Joaquina, porque por pouco tempo poderemos estar juntos.
E, indicando à mulher, que viera correndo atender ao chamado, o fidalgo que ali esperava a decisão, concluiu com ironia:
— Este senhor já por duas vezes exigiu casa; depois pediu-me mobília e agora vem pedir criados. Dentro em breve, desejará também uma mulher e, como não tenho outra senão a senhora, serei forçado a entregá-la.”
— É fácil, confrontando os dois textos, perceber o plágio.
O nosso entrevistado se entusiasmava, procurando demonstrar as suas razões.
— E não é apenas isto. Poderia mostrar muitos outros trechos semelhantes. Parece-me evidente que Francisco Xavier tem mesmo alguns pendores literários. Provavelmente já estará informado de que em 1932 o “médium” já era poeta. Colaborava no “Jornal das Moças”. Seus versos, embora de inspiração pobre, eram metrificados, com boa técnica. Veja estes:
“SOBRE A DOR
Suporta calmo a dor que padeceres
Convicto de que ate dos sofrimentos,
No desempenho austero dos deveres,
Mana o sol que clareia os sentimentos.
Tolera sempre as mágoas que sofreres,
Em teus dias tristonhos e nevoentos.
Há reais e legítimos prazeres
Por trás dos prantos e padecimentos.
A dor, constantemente, em toda parte,
Inspira as epopéias fulgurantes,
Nas lutas do viver, no amor, na arte;
Nela existe uma célica harmonia,
Que nos desvenda, rápidos instantes,
Mananciais de lúcida poesia!”
Fotografia do uma carta do “médium” sr. Alarico Cunha, do Parnalba, alto funcionário da Cia. dc Vapores Booth, cuja mediunidade consiste em receber as mensagens com a letra e a assinatura dos próprios autores. Aqui vemos uma carta ditada pelo espírito de Humberto dc Campos, tendo a progenitor a do grande escritor assinado embaixo, reconhecendo a letra de seu filho.
O grande escritor Humberto de Campos, no seu fardão de imortal, quando entrou para a Academia Brasileira de Letras.
Aliás, os jornais já haviam noticiado essa habilidade do famoso “médium” de Pedro Leopoldo.
?
Seguindo o critério de imparcialidade absoluta que até agora vem mantendo em torno do momentoso “caso” Humberto de Campos e das obras psicografadas por Francisco Cândido Xavier, a REVISTA DA SEMANA queria saber como se manifestava a Federação Espírita Brasileira sobre esta nova fase do processo.
Nesse intuito fomos procurar o seu presidente, sr. Wantuil de Freitas.
— Quanto às poesias de autoria de Chico Xavier publicadas no “Jornal das Moças”, posso declarar que não as conheço. Mas estou ao par da história.
Quando os espíritos preparavam o “médium” em exercícios mediúnicos para a missão que deveria realizar, seu irmão, José Cândido, que então nada conhecia do espiritismo, ficou entusiasmado com a “veia poética” que supunha existir no Chico, e então ele, José Cândido, juntando os seus logogrifos às poesias recebidas pelo irmão, encaminhava-os às revistas, contra a vontade do Chico que, desde então, asseverava que as produções não eram suas. Isto durou até o ano de 1932.
Assim que conseguir uma dessas poesias poderei enviá-la ao Chico, para que ele diga qual foi o espírito que a ditou.
Ainda que Francisco Xavier fosse poeta, meu amigo, não haveria motivo para acusá-lo. Os poetas também podem ser “médiuns” e vice-versa.
— E quanto à qualidade da obra de Francisco Xavier, na opinião do dr. Milton Barbosa, nitidamente inferior às produções de Humberto de Campos?
— Esse assunto foi eficientemente esclarecido pelo nosso advogado. Mostra o dr. Carlos Imbassahy que nas citações do advogado da família do escritor não se vê nenhuma onde se possam encontrar vícios imperdoáveis de linguagem. Os erros que aí se encontram, ligeiras consonâncias, ecos, não podem ferir os mais apurados ouvidos. Não constituem verdadeiros cacófagos, dentro da definição dos gramáticos e filólogos.
Aliás, esses vícios podem ser encontrados nos melhores escritores da nossa língua.
— Os cacófagos empregados por Humberto de Campos na obra psicografada são encontrados a cada passo pelos melhores manejadores da pena. Por que não os empregaria Humberto?
Poderíamos dar, ao acaso, diversos exemplos dessas distrações praticadas pelos expoentes máximos da nossa língua. Camões os fez em quantidade. Além daquele famoso e conhecido “Alma minha”, encontramos ainda:
Sofrer não pode ali o gama mais
“Entrava a formosíssima Maria”
E de Vieira:
“Que se chama Maria”
“Se as não tem feito”.
De Frei Luiz de Souza:
“Sem outra cama mais que uma taboa”.
“De nenhuma maneira podia cabar consigo”
De Camilo:
“Peça-lhe que a não venda”,
Com a condição de a não vender”.
De Castilho:
“Se a não procurem”.
Seria fastidioso continuar a citar exemplos dessa natureza.
Na própria obra do Humberto de Campos, cronista operoso que não dispunha do tempo para atender a esses detalhes, em vista do vulto da sua produção, encontramos cacófatos, como estes:
“Cuidassem dele como ela cuidara”
(“Sombras que sofrem”, 4ª edição, pág. 46, linha 21).
“E deixo-as não como lisonja”
(Idem, pág. 28, linha 1).
“… a mulher como ela é”; (Lagartos e Libélulas. 4ª edição pág. 28, linha 1).
— Mas a obra de Chico Xavier…
— Nada fica provado quanto ao mau gosto alegado em relação à produção literária do “médium”. Corno não ignora, são muitas as opiniões em contrário.
Quanto à afirmação de que a parte aproveitável desta obra não passa do grosseiro plágio, foi também ela refutada pelo nosso advogado. Os trechos de “Brasil Anedótico”, que são indicados como plagiados por Francisco Xavier, não podem ser considerados como tais. Qualquer escritor, relatando em nova obra o que já dissera em outra, repete frequentemente as mesmas expressões. Ademais, não haveria necessidade de plagiar naquela narrativa feita em termos comuns.
Limitamo-nos a repetir a opinião do ilustre beletrista mineiro, desembargador Mario Matos:
“O estilo de Humberto morto é ‘mais vivo’ do que Humberto-homem.”
Muitos dos plágios apontados são aliás transcrições de trechos de outros livros e se encontram entre aspas, na obra psicografada.
— O Dr. Milton Barbosa citou-nos também alguns trechos de Humberto em que o escritor mostrava-se um verdadeiro cético.
— E acha que, mesmo depois de se ter transformado em espírito, rodeado de outros espíritos, deveria continuar a descrer do espiritismo?
Há ainda outro ponto interessante a considerar. É o que se refere à frase do espírito de Humberto: “Eu que era tão perverso”. Como está muito bem observado na contra-minuta, essas frases já eram encontradas na sua obra escrita em vida: “E eu, miserável pecador”. “Eu, o último filho de um século que bebeu veneno no berço”.
— Será produzida a prova da manifestação do espírito?
— Evidentemente, o fenômeno não se poderá produzir contra certas leis. Não são apenas os espíritas e os “médiuns” que sabem disso. O fato é conhecido pelos próprios cientistas. Experiências que chegam ao resultado desejado em determinadas circunstâncias, provando o que se quer demonstrar, falham outras vezes pela ausência de algum elemento.
O espiritismo não procura esconder os fenômenos de ordem mediúnica. Milhares de pessoas, não apenas no Brasil mas no mundo inteiro, entro elas figuras de destaque, absolutamente insuspeitas, tiveram ocasião do presenciar esses fenômenos. Agora o que não podemos é produzi-los em tempo e lugar determinados.”
Despedimo-nos do sr. Wantuil. O presidente da Federação Espírita Brasileira acompanhou-nos até a porta. Aconselhou-nos s. s. a que fossemos procurar o dr. Imbassahy, advogado da Federação:
— Provavelmente o dr. Imbassahy tem algumas declarações interessantes a fazer sobre o caso, e poderia mesmo o ilustre causídico esclarecer certos pontos da questão.
Infelizmente a falta de tempo não permitiu que fôssemos procurar o ilustre advogado que tão brilhantemente vem defendendo a Federação.
— Quero ainda que dê uma explicação aos leitores da REVISTA DA SEMANA — disse ainda s. s. E’ quanto à acusação de que um dos volumes da obra psicografada já foi traduzido para o castelhano, a fim de ser lançado no mercado hispano-americano por uma editora argentina. Isto é verdade. Cumpre entretanto esclarecer que a Federação Espírita Brasileira não cobrou direitos autorais do editor argentino.
E o sr. Wantuil esboçava um sorriso.
?
Aqui ficam as duas entrevistas. Com quem está a razão?
Com a família do notável escritor? Com a Federação Espírita?
A argumentação é forte de ambos os lados. Limitamo-nos a apresentar aos nossos leitores esta fase nova do sensacional caso, para que possam julgar.
FONTE: Obras psicografadas
0 comentários:
Postar um comentário