Deve-se publicar tudo quanto dizem os Espíritos?
Revista Espírita, novembro de 1859
Esta pergunta nos foi dirigida por um dos nossos correspondentes, e a respondemos com a pergunta seguinte: Seria bom publicar tudo quanto dizem e pensam os homens?
Quem possua uma noção, por pouco profunda que seja, do Espiritismo, sabe que o mundo invisível é composto de todos aqueles que deixaram na Terra seu envoltório visível; mas, em se despojando dele, o homem carnal, nem todos, por isso, revestiram a túnica dos anjos. Portanto, os há de todos os graus de saber e de ignorância, de moralidade e de imoralidade; eis o que não é necessário perder de vista Não esqueçamos que, entre os Espíritos, como na Terra, há seres levianos, estouvados e zombeteiros; pseudo-sábios, vãos e orgulhosos de um saber incompleto; hipócritas, maus; e o que nos pareceria inexplicável, se não conhecêssemos, de alguma sorte, a fisiologia desse mundo, é que há sensuais, vis, crápulas, que se arrastam na lama.
Ao lado disso, sempre como na Terra, tendes seres bons, humanos, benevolentes, esclarecidos, sublimes de virtudes; mas como o nosso mundo não está nem na primeira, nem na última classe, embora esteja mais vizinho da última do que da primeira, disso resulta que o mundo dos Espíritos encerra seres mais avançados intelectual e moralmente do que os nossos homens mais esclarecidos, e outros que estão ainda abaixo dos homens mais inferiores. Desde que esses seres têm um meio patente de se comunicarem com os homens, de exprimirem seus pensamentos por sinais inteligíveis, suas comunicações devem ser o reflexo de seus sentimentos, de suas qualidades ou de seus vícios; elas serão levianas, triviais, grosseiras, obscenas mesmo, sábias, prudentes ou sublimes, segundo seu caráter e sua elevação.
Eles mesmos se revelam pela sua linguagem; daí a necessidade de não aceitar cegamente tudo o que vem do mundo oculto, e de submetê-lo a um controle severo. Com as comunicações de certos Espíritos, poder-se-ia, como com os discursos de certos homens, fazer uma coletânea pouco edificante. Temos sob os olhos uma pequena obra inglesa, publicada na América, que disso é a prova, e da qual se pode dizer que a mãe não recomendaria a leitura à sua filha; é por isso que não a recomendamos aos nossos leitores. Há pessoas que acham isso engraçado, divertido; que se deliciem na intimidade com ela, seja, mas que a guardem para si.
O que concebemos ainda menos, é vangloriar-se por obterem, elas mesmas, comunicações inconvenientes; é sempre um indício de simpatia do qual não há com que se envaidecer, sobretudo quando essas comunicações são espontâneas e persistentes, como ocorre com certas pessoas.
Sem dúvida, isso nada prejulga quanto à sua moralidade atual, porque conhecemos as que se afligem com esse gênero de obsessão, à qual seu caráter, de nenhum modo, pode se prestar; entretanto, esse efeito deve ter uma causa, como todos os efeitos; não sendo encontrada na existência presente, é necessário procurá-la num estado anterior; se ela não está em nós, está fora de nós, mas nela somos sempre alguma coisa, não seria senão por fraqueza de caráter.
Sendo a causa conhecida, depende de nós fazê-la cessar.
Ao lado dessas comunicações francamente más, e que chocam todo ouvido um pouco delicado, outras há que são simplesmente triviais ou ridículas; há inconveniente em publicá-las? Se são dadas pelo que valem, não há senão um meio mal; se são dadas como estudo do gênero, com as precauções oratórias, os comentários e os corretivos necessários, podem mesmo ser instrutivas, por fazerem conhecer o mundo Espírita sob todas as suas faces; com a prudência e a circunspecção, pode-se dizer tudo; mas o mal é dar como sérias coisas que chocam o bom senso, a razão e as conveniências; o perigo, nesse caso, é maior do que se pensa.
Primeiro, essas publicações têm por inconveniente induzirem ao erro as pessoas que não estão aptas para aprofundarem e discernirem o verdadeiro do falso, sobretudo numa questão tão nova quanto o Espiritismo; em segundo lugar, são armas fornecidas aos adversários, que não deixam de tirar delas argumentos contra a alta moralidade do ensinamento Espírita; porque, ainda uma vez, o mal está em apresentar seriamente coisas notoriamente absurdas. Alguns podem mesmo ver uma profanação no papel ridículo que se empresta a certos personagens justamente venerados, e aos quais se leva a uma linguagem indigna deles.
Aqueles que estudaram a fundo a ciência Espírita sabem como manter-se a esse respeito; sabem que os Espíritos zombeteiros não deixam de se ornar com nomes respeitáveis; mas sabem também que esses Espíritos não enganam senão aqueles que querem deixar se enganar, e que não sabem, ou não querem frustrar suas astúcias pelos meios de controle que conhecemos. O público, que não sabe disso, não vê senão uma coisa: um absurdo seriamente oferecido à admiração, e dizem a si mesmos:
Se todos os Espíritas são como isso, não lhes roubaram o epíteto com o qual são gratificados. Esse julgamento, sem nenhuma dúvida, é sem consideração; vós os acusais, com razão, de leviandade, e dizei-lhes: Estudai a coisa, e não vede senão um único lado da medalha; mas há muitas pessoas que julgam a priori, e sem dar-se ao trabalho de virar a folha, sobretudo quando não o fazem de boa vontade, que é necessário evitar o que pode dar-lhes muita contenda; porque, se à má vontade se junta a malevolência, ficam encantados por encontrarem do que falar mal.
Mais tarde, quando o Espiritismo estiver vulgarizado, mais conhecido, e compreendido pelas massas, essas publicações não terão mais influência do que não teria hoje uma livre compreensão das heresias científicas. Até lá, não se poderia nisso colocar mais de circunspecção, porque há os que podem prejudicar essencialmente à causa que querem defender, muito mais do que os ataques grosseiros e as injúrias de certos adversários: alguns fariam nesse objetivo o que não conseguiriam melhor.
O erro de certos autores é o de escrever sobre um assunto antes de tê-lo aprofundado suficientemente, e, por aí, dar lugar a uma crítica fundada. Lamentam-se do julgamento temerário de seus antagonistas: não prestam atenção ao fato de que, eles mesmos, freqüentemente, mostram o ponto fraco. De resto, apesar de todas as precauções, seriam presunçosos por se crerem ao abrigo de toda crítica: primeiro, porque é impossível contentar todo o mundo; em segundo lugar, porque há pessoas que riem de tudo, mesmo das coisas mais sérias, uns por estado, os outros por caráter.
Riem muito da religião; não é de se admirar que riam dos Espíritos, que não conhecem. Se ainda seus gracejos fossem espirituosos, haveria compensação; infelizmente, em geral, eles não brilham nem pela finura, nem pelo bom gosto; nem pela urbanidade e ainda menos pela lógica. Portanto, façamos pelo melhor, colocando, de nossa parte, a razão e as conveniências, aí também colocaremos os galhofeiros.
Essas considerações serão facilmente compreendidas por todo o mundo; mas há uma, não menos essencial, que se prende à própria natureza das comunicações Espíritas, e que não devemos omitir os Espíritos vão onde encontram simpatia e onde sabem serem escutados. As comunicações grosseiras e inconvenientes, ou simplesmente falsas, absurdas e ridículas, não podem emanar senão de Espíritos inferiores: o simples bom senso o indica. Esses Espíritos fazem o que fazem os homens que se vêem escutados com complacência se ligam àqueles que admiram suas tolices e, freqüentemente, deles se apoderam e os dominam ao ponto de fasciná-los e subjugá-los.
A importância que se dá às suas comunicações, pela publicidade, os atrai, os anima e os encoraja. O único, o verdadeiro meio de afastá-los, é provar-lhes que não se é sua vítima, rejeitando implacavelmente, como apócrifo e suspeito, tudo o que não é racional, tudo o que desmente a superioridade que se atribui o Espírito que se manifesta, e o nome com o qual se veste: então, quando ele vê que perde o seu tempo, retira-se.
Cremos ter respondido suficientemente à pergunta do nosso correspondente sobre a conveniência e a oportunidade de certas publicações Espíritas. Publicar sem exame, ou sem correção, tudo o que vem dessa fonte seria fazer prova, segundo nós, de pouco discernimento. Tal é pelo menos a nossa opinião pessoal, que deixamos à apreciação daqueles que, estando desinteressados na questão, podem julgar com imparcialidade, pondo de lado toda consideração individual.
Temos, como todo o mundo, o direito de dizer o nosso modo de pensar sobre a ciência que é o objeto de nossos estudos, e de tratá-la à nossa maneira, sem pretender impor as nossas idéias, nem dá-las como leis.
Os que partilham a nossa maneira de ver é porque crêem, como nós, estarem com a verdade; o futuro mostrará quem está em erro ou com razão.
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